O interior dos carros usam botões para mil e uma funções. Mas surpreendentemente isso cada vez menos acontece, uma vez que há alternativas mais tecnológicas que estão a ganhar terreno.
Nos dias que correm os botões parecem estar a ser parcialmente substituídos por alternativas mais tecnológicas mas que nem sempre se podem considerar melhores.
Antigamente
Os botões fazem parte do interior dos carros desde há muito tempo. Ainda eu não existia, já os carros saiam de fábrica com alguns botões e outros elementos interativos para que o conductor pudesse alterar a emissora do rádio, abrir o ar — coisa que os mais jovens nem devem saber o que é — ou até abrir e fechar as janelas.
No mundo do design, especificamente para a web, começou-se a falar muito de “UX design” já há mais de 10 anos. “UX” significa “user experience”. É portanto uma disciplina que pretende proporcionar uma melhor experiência ao utilizador. Isto pode ser traduzido de várias formas. Um exemplo claro é que um botão com uma ação potencialmente destrutiva — que envolva apagar alguma coisa definitivamente ou que envolva remover permissões de um utilizador — deverá ter uma cor próxima do vermelho. Isto porque na cultura ocidental o vermelho é associado ao perigo.
Este facto pode ser facilmente transportado para o mundo automóvel através dos sinais de trânsito. Pensem nos sinais de sentido proibido ou no de STOP. Ambos vermelhos, uma vez que podem envolver demasiado perigo para quem não os respeitar. Os semáforos são outro exemplo claro de como as cores podem ser usadas.
Mas as cores não são tudo. Voltando à web, a posição em que este botão aparece também é muito relevante. Num ecrã que tenha 2 botões, sendo que um deles apaga permanentemente uma mensagem e o outro cancela a operação, o botão de cancelar vem normalmente à esquerda. Já o botão que nos permite “continuar” com a ação vem à direita. Provavelmente estará associado ao facto de a grande maioria da população ser destra, mas isto já sou eu a imaginar.
Transportando estas ideias para o interior dos carros, percebemos que os botões devem ser bem posicionados, ser de fácil perceção e acima de tudo, ser funcionais. Mas muitas vezes, não é isso que acontece…
Form follows function.
Ou “a forma é definida pela função”, em português, é uma frase mítica do arquiteto, Louis Sullivan do início do século XX. Esta frase resume na perfeição a abordagem que qualquer designer de qualquer produto que requeira interação do utilizador deve seguir — seja ele um edifício, um carro, um telemóvel ou um mero botão.
Se o objeto existe com uma função, essa função há-de ser possível de acionar com o mínimo de esforço necessário. Um mau exemplo seria uma tampa de uma garrafa de água que fosse totalmente redonda e ainda assim, totalmente lisa. Sem umas pequenas saliências ao longo do perímetro exterior da tampa, a tarefa de abrir a garrafa torna-se drasticamente mais difícil.
Já no interior de um carro, há algumas funções básicas associadas a elementos físicos que estão presentes desde há várias décadas: os piscas, a ventilação do habitáculo, o volume do rádio, o limpa pára-brisas, as luzes, etc.
Hoje em dia
Recentemente, a Tesla lembrou-se de revolucionar o volante, introduzindo o “yoke” — o seu volante cortado. Mas como se isso não fosse suficientemente disruptivo, introduziu também o controlo dos piscas, buzina, limpa pára-brisas e algumas outras funções através de botões capacitivos no próprio volante. Para quem não está familiarizado com a tecnologia, os botões capacitivos são botões que para os acionar basta encostar o dedo na superfície, sem a pressionar. Como um leitor de impressão digital de um telemóvel, por exemplo.
Para além dos botões capacitivos, a Tesla trouxe-nos ainda o famoso ecrã gigante no centro do carro. É uma excelente forma de consumir vários conteúdos multimédia, mas é uma forma horrível de interagir com funções básicas de apoio à condução como por exemplo o ar condicionado. Especialmente enquanto se conduz.
Infelizmente isto é uma prática cada vez mais comum na indústria automóvel. Há cada vez mais fabricantes a investir em ecrãs no interior dos seus carros e desta forma reduzem a quantidade de botões físicos existentes na consola central. Não há dúvidas que, sendo bem executados, os interiores ficam mais “limpos” e menos confusos. No entanto, o aspeto visual não pode ter precedência sobre o aspeto funcional.
Alternativas
Mas a boa notícia é que nem todos os fabricantes concordam. A título de exemplo, a Toyota tem feito questão de manter os botões físicos para os controlos de ventilação nos seus modelos mais recentes. Mas na minha opinião, o melhor exemplo é o da Mazda. Para além de manterem os botões físicos para o controlo de ventilação, têm ainda um joystick central que controla todos os movimentos no ecrã principal. Esta é, aliás, a única forma de interagir com os menus, uma vez que na maior parte dos casos o ecrã nem sequer é táctil.
Seria uma distração demasiado grande, segundo a Mazda, ter um ecrã táctil num carro.
Assino por baixo!
Já temos demasiados ecrãs no dia-a-dia com que nos podemos distrair. E ainda há quem insista em distrair-se com o telemóvel — e não me refiro a chamadas telefónicas — enquanto conduz. Ecrãs com navegações tácteis era tudo aquilo que a indústria automóvel não estava a precisar. Preferia ver avanços tecnológicos no sentido de reduzir a quantidade de acidentes. Ou a gravidade que esses acidentes têm.
Pessoalmente, há duas coisas que gostava de ver a acontecer nos próximos anos em relação a este assunto. Se de facto os fabricantes se vão esforçar por ter interiores cada vez menos confusos e com o menor número possível de botões — que por si só não é um objetivo horrível — espero honestamente que pensem em alternativas um pouco melhores do que forçar o condutor a interagir com um ecrã táctil enquanto conduz.
Controlos por voz
Uma alternativa podem ser os controlos por voz. Alguns fabricantes, como a Mercedes-Benz, já tiram partido de sistemas de voz para controlar algumas funções. No entanto, ainda não é algo que se tenha espalhado tão rapidamente por toda a gama de um fabricante como os ecrãs. Numa altura em que praticamente tudo é digital e passivo de ser controlado por um ecrã, confesso que preferia ter alternativas de comandos de voz que fossem capazes de interagir com as funções básicas. Não estou a sugerir eliminar a possibilidade de interagir com o ecrã, mas sim de proporcionar uma alternativa para quem não o quer ou pode fazer.
- “Liga o ar condicionado nos 20º”
- “Desembacia o vidro da frente”
- “Abre o vidro do passageiro até metade”
- “Preciso de um posto dos correios que esteja aberto”
- “Vamos para casa”
Tudo isto são coisas que podiam ser uma realidade em qualquer carro.
É uma questão de investir recursos suficientes no desenvolvimento do software que controla estas funções.
Portanto, a primeira: controlos por voz em qualquer carro.
Sistemas de infoentretenimento nativos
A segunda, e por falar em software, há 2 gigantes tecnológicos que sabem bem o que fazem no que toca a software: Apple e Google. Curiosamente, são também as conexões mais comuns de telemóvel presente nos carros dos nossos dias. Quão difícil seria uma parceria entre estas empresas e os fabricantes da indústria automóvel no sentido de conseguirem uma integração de baixo nível com os seus carros?
Tanto o Android Auto como o Apple CarPlay são bem capazes no que toca à reprodução de música ou mesmo à navegação. E eu que pouca experiência tenho com estes sistemas acredito ainda que sejam capazes de conseguir outras proezas de que eu não tenho conhecimento. Parece-me um pouco desnecessário que os fabricantes continuem a gastar recursos para desenvolver funções para os seus próprios sistemas que a maior parte das pessoas irá eventualmente usar apenas pelo seu próprio telemóvel.
Por exemplo as funções de navegação nativas dos fabricantes são frequentemente mais lentas, menos apelativas, e algumas requerem atualizações de software. Quantas pessoas usarão o sistema nativo de navegação de um carro?
Até o meu pai usa o Google Maps no telemóvel.
É um sistema mais familiar porque o pode usar em casa, no carro, a pé, ou a conduzir, para além de que já tem todas as informações relevantes como a morada de casa, ou do trabalho. E integra lindamente com o calendário, que ele por acaso também usa.
Em jeito de conclusão, há modas que aparecem com o propósito de romper com tradições. São algumas dessas modas que nos forçam a avançar enquanto sociedade. Esta moda da digitalização na indústria automóvel parece-me estar a ir para além daquilo que seria aceitável. Gostaria de acreditar que, regra geral, se vai mexer com a segurança de quem conduz e dos seus passageiros, requer um pouco mais de deliberação do que “se os outros fazem nós também podemos”.