A métrica 0–100 km/h diz muito pouco sobre um carro

A métrica 0–100 km/h diz muito pouco sobre um carro

À medida que o mercado automóvel avança a grande velocidade para uma nova realidade parcialmente ou completamente eletrificada, será que continua a fazer sentido basearmo-nos na métrica 0–100 km/h como forma de comparar comportamentos entre automóveis?

Recentemente, enquanto desenvolvia este blog, apercebi-me de que iria ser útil ter alguma forma de qualificar os automóveis que me passarem pelas mãos. Afinal, quando a nossa única preocupação aquando da compra de um automóvel se pode traduzir numa métrica facilmente mensurável, eu queria fazer questão de tornar essa métrica evidente.

O mercado motorizado, e em especial o mercado automóvel, tem-se baseado muito na quantidade de tempo que um automóvel demora a fazer um arranque dos 0 km/h, até aos 100 km/h, como métrica chave para definir a performance de um determinado automóvel. Afinal, é uma boa forma de sabermos quão rápido pode ser em situações ideias, e eventualmente, como se compara aos competidores directos.

Nunca tinha parado para pensar muito nas assunções que estamos a fazer ao dar relevância a esta métrica. Mas a verdade é que há alguns aspectos desta métrica que nos podem passar ao lado, especialmente se já cá andamos há muito tempo e nem nos damos ao trabalho de ponderar o que nos passa pelos olhos.

A verdade é que, esta métrica já dizia muito pouco sobre um carro dos anos 2000. Nos dia de hoje, é, na minha opinião, cada vez menos relevante.

Deixem-me explicar porquê

O lado mais óbvio é naturalmente o facto de que ninguém no seu perfeito juízo vai fazer arranques dos 0 km/h até aos 100 km/h no dia-a-dia. Não só não existe essa necessidade nas nossas vidas do quotidiano, como teríamos de ter o carro estacionado numa faixa a meio de uma recta de uma auto estrada qualquer. Incomum, diria eu.

O lado menos óbvio prende-se com os avanços tecnológicos que se têm vindo a fazer no mundo automóvel no que toca à sua eletrificação. Como sabemos, os motores a combustão interna precisam de alguma rotação para atingir o auge da sua performance. Os motores a diesel geralmente atingem-no a rotações mais baixas do que os motores a gasolina — que por si só já era um sinal de que esta métrica não é assim tão útil — mas ambos precisam de tempo para lá chegar.

Por sua vez, os motores elétricos disponibilizam todo o seu binário e todo a sua potência desde as 0 “rotações”. Quer isto dizer que, com num carro elétrico completamente parado, assim que pressionamos o pedal do acelerador, temos uma aceleração significativamente mais rápida.

Não será uma aceleração constante, simplesmente porque há fabricantes que optam por tornar a aceleração gradual, por vários motivos, nomeadamente por uma questão de conforto para os passageiros, mas também por uma questão de performance. Isto porque, de nada serviriam os 1020 cavalos do Tesla Model S Plaid, se eles fossem transferidos para as rodas num piscar de olhos. Ficariam com as rodas a patinar, sem sair do sítio. Pouco útil.

No entanto, os carros elétricos ainda não estão capazes de ter boa performance a velocidades mais elevadas. Aliás, são muitas vezes limitados a velocidades máximas surpreendentemente baixas para a rapidez com que atingem os 100 km/h.

No entanto, diria que temos alternativa

Já sabemos portanto que o carros elétricos aceleram mais rapidamente do que os carros com motor a combustão. Mas um outro factor relevante para a equação é o peso! Muitos de vocês podem nunca se ter apercebido, mas reparem que o peso dos automóveis elétricos é regra geral muito superior ao peso de um automóvel equivalente com motor de combustão interna.

Por exemplo, um Hyundai Ionic 5 (elétrico), com 229 cv de potência, pesa 2450 kg. Faz 7.3 s dos 0–100 km/h e tem velocidade máxima de 185 km/h. Por outro lado, um Cupra Formentor, com 150 cv de potência, pesa 1960kg. Faz 8.9 s dos 0–100 km/h e tem velocidade máxima de 204 km/h.

É uma diferença de pouco menos de meia tonelada! Muitas vezes ficamos surpreendidos com a quantidade astronómica de cavalos que os fabricantes “injectam” nos automóveis electrificados. Mas a verdade é que, para o peso deles, eles precisam dessa potência. Claro que o exemplo do Tesla Model S Plaid é totalmente desnecessário, e o propósito há-de ser completamente diferente.

Regra geral, os elétricos são mais potentes, fazem tempos dos 0–100 km/h mais baixos, mas pesam bem mais e têm velocidades máximas inferiores.

Tendo tudo isto em conta, pareceu-me que a métrica que faria mais sentido para “tabelar” os automóveis que me passarem pelas mãos aqui na Semanticar, seria uma relação peso/potência. Ainda que não seja nada de novo, acho que não é usada o suficiente.

Mantendo os exemplos anteriores, o Ionic 5 teria um rácio de 0.09 — ou seja, 9% de potência para o peso total do carro. O Formentor, teria 0.07 — ou seja, 7%. Significa isto também que no Ionic 5 cada cavalo transporta 10.7 kg. Enquanto que no Formentor, esse número passa para 13.1 kg.

Por fim, e apenas por curiosidade, o Tesla Model S Plaid, com 1020 cv e 2161 kg, teria um rácio de 0.47, ou seja, 47%. E algo como o Koenigsegg Jesko, com 1281 cv e 1420 kg — que nunca me há-de passar pelas mãos, diga-se — teria um rácio de 0.9, ou seja, 90%.

Espero honestamente que esta métrica seja tão útil para vocês como será para mim, e que traga alguma clareza num mundo automóvel que está em drásticas mudanças e com mais variantes a nível motriz do que alguma vez existiram.